Entenda como a eleição de Trump afeta a luta contra o racismo

Entenda como a eleição de Trump afeta a luta contra o racismo

Entenda como a eleição de Trump afeta a luta contra o racismo

Logo após a eleição do magnata, uma série de casos de intolerância foi denunciada em todo o país; o preconceito agora é autorizado?

Embora o Dia da Consciência Negra — comemorado neste domingo (20) — seja um feriado nacional, a desigualdade racial não é um problema exclusivo dos brasileiros. Longe disso: a luta pelo fim do racismo está presente em todo o mundo, sob diferentes aspectos. Tanto que, nos Estados Unidos, por exemplo, a segregação racial é ainda tão forte que é impossível passar despercebido por ela.
Como será, então, que a luta contra o racismo nos Estados Unidos irá sobreviver a pelo menos quatro anos em um país liderado por Donald Trump — eleito futuro presidente norte-americano e conhecido como um candidato pouco atraente às minorias, com discursos considerados xenofóbicos, machistas e racistas?
Logo nos primeiros dias após a eleição de Trump, que se concretizou no dia 9 de novembro, uma série de casos de racismo foi denunciada em todo o país. Os relatos incluem desde um professor que ameaçou a parte negra de sua sala de aula até uma prefeita que riu publicamente de uma piada que comparava a atual primeira-dama dos EUA, Michelle Obama, a um “macaco de saltos”.
De acordo com o cientista político Maurício Santoro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a vitória de um candidato presidenciável que trabalhava com um discurso tão agressivo quanto o de Trump dá maior voz a esse tipo de pensamento.
“Ele foi o primeiro candidato com chances reais de eleição, que, depois de muito tempo, adotou um discurso racista. Muitos outros políticos norte-americanos expressam essa visão, mas não são presidenciáveis, são do plano local, deputados de pequenas cidades. Para você encontrar um presidenciável de peso que tenha um discurso parecido, tem que voltar à época anterior à Segunda Guerra Mundial”, analisa. “Quando você tem um presidente eleito com esse discurso, você se sente legitimado a expor sua opinião sobre o assunto, por mais preconceituosa que ela seja. Você se sente autorizado”.
E essa suposta autorização pode inflamar uma sociedade que vinha lidando com o problema de maneira menos agressiva. Para a professora de Relações Internacionais Denilde Holzhacker, da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM), ainda é muito difícil prever, sob tal ótica, qual será a consequência da eleição de Trump, mas o pessimismo é certo. “A questão racial está presente nos EUA há muito tempo. Ela estava presente na superfície e, com os discursos inflamados de Donald Trump durante a campanha presidencial, um posicionamento agressivo ganhou voz, a situação ficou ainda mais instável. Não se sabe para onde tudo isso vai, mas, com certeza, a situação piora”, afirma.
Black Live Matter
Ainda segundo os especialistas, a discussão sobre o preconceito contra a comunidade negra já tinha tomado as ruas dos EUA há pouco tempo e, com isso, a questão só precisava de um “empurrãozinho” para voltar ao foco em 2016.
Para quem não lembra, foi em 2013 que a hashtag #BlackLiveMatter deu origem a um movimento que tomou as ruas de todo o país. A revolta se deu após a absolvição de George Zimmerman na morte a tiros do adolescente afro-americano Trayvon Martin.
Em 2014, após a morte de dois afro-americanos (Michael Brown, em Ferguson, e Eric Garner, em Nova York), os protestos passaram a acontecer diariamente em todo o país e a causa ganhou ainda mais força na internet, com manifestações internacionais.
Ao contrário do que era transmitido pela mídia tradicional na época, apesar de forte, o movimento pareceu ter conquistado também muitos desafetos. Ou, pelo menos, muitas pessoas da comunidade branca norte-americana se sentiram fora do foco. “Com esse foco na comunidade negra, o norte-americano branco de classe média sentia que não tinha importância para o governo, não se via representado. Foi nesse público que Trump focou”, afirma Santoro.
Foram essas as pessoas que engrossaram o eleitorado do magnata e o levaram à vitória. Dos que votaram no republicano, 87% são brancos. Apenas 1% do eleitorado dele se declara como negro.
Em um relatório divulgado neste mês, foi constatado que os crimes de ódio nos Estados Unidos aumentaram cerca de 7% de 2014 a 2015. De acordo com o Uniform Crime Report, do FBI, dos 5.850 casos relatados à polícia no ano passado, 53% dos ataques foram dirigidos a afro-americanos, enquanto 19% eram contra brancos.
Além disso, segundo o Southern Poverty Law Center (SPLC), uma organização sem fins lucrativos que monitora grupos de ódio doméstico e outros extremistas, em 2015, 892 grupos de ódio estavam ativos. A lista foi dominada pela Ku Klux Klan (KKK) e separatistas negros, mas contava também com casos de nacionalistas brancos, racistas skinhead e neonazistas.
Candidato (e futuro presidente) contraditório
Denilde Holzhacker analisa que, ao mesmo tempo em que Trump dialogava com grupos extremistas como os acima citados, durante a sua campanha, o republicano chegou a fazer alguns discursos direcionados à comunidade negra, para conquistar essa parte do eleitorado.
“A campanha dele foi bem contraditória. E essa característica da contradição apareceu claramente em sua relação com a comunidade negra. Ele teve o apoio do KKK e de outros grupos extremistas. Por outro lado, tentou fazer discursos para a comunidade negra, mostrando o que ela ganharia com o governo dele, focando na questão do desemprego, da pobreza, da perda de status”, analisa Denilde.
“Depois de eleito, fez um discurso conciliador, mas percebemos que o discurso de ódio tá lá, já tá colocado. Ao mesmo tempo em que ele fala em governar para todos os americanos, ele escolhe nomes polêmicos para compor o seu governo”, afirma. “Hoje ele tenta reconciliação, mas já incitou muito ódio e não tem como prever o que Trump fará de agora em diante. Trump é imprevisível”.
No último domingo (13), a extrema direita vibrou com o anúncio de que Trump nomearia o executivo Steve Bannon como estrategista-chefe e conselheiro sênior de seu governo. A figura de Bannon é associada à supremacia branca, ao anti-semitismo e à misoginia.
“Trump nomeou uma pessoa barra pesada em questão de racismo, barra pesada em questão de preconceito. Assim fica difícil uma reconciliação com a comunidade negra”, diz Maurício Santoro.
O que sai junto com Obama?
Com a proximidade do dia 20 de janeiro, os cidadãos norte-americanos — e todo o resto do mundo — se preparam para se despedir do primeiro presidente negro que já assumiu a Casa Branca. Barack Obama, que é presidente dos Estados Unidos desde 2009, assumiu o cargo sob o slogan “Yes, we can” (em português, “Sim, nós podemos”) e foi com esse pensamento que a comunidade negra passou a se sentir, de certa maneira, representada na liderança do país mais poderoso do mundo.
No entanto, Obama foi bastante discreto ao tratar de questões relacionadas à discriminação racial. Apesar de ele e toda a sua família ser negra, seu discurso pouco focou nesse detalhe durante os seus oito anos de governo. “A própria eleição de Obama já é um passo importante, é evidente. Porém, no governo, ele sempre foi cauteloso quanto às questões raciais”, lembra Santoro.
Para a professora Denilde, Obama falava com a comunidade negra de maneira indireta. “Como presidente, ele não podia ser identificado como apenas o representante de um grupo. No entanto, o discurso dele era sempre voltado ao apontamento de problemas sociais, que, obviamente, causam um impacto grande na sociedade negra”.
Com a eleição de Trump, esse discurso muda. Consequentemente, os demais países, que estavam acostumados a ter Obama como o presidente da superpotência mundial, também terão que entender que Trump veio para mudar toda essa perspectiva: o foco agora não são os problemas sociais, mas o ajuste da economia norte-americana, mesmo que isso trombe com as demandas das chamadas minorias.

“Estamos vivendo uma intensa onda conservadora. Na Europa, a questão da imigração está em pauta, estão falando de Brexit e argumentos da ultra-direita estão em alta. Com Trump, tais discursos ganham mais legitimidade”, afirma Denilde. “As questões econômica e racial andam paralelas. Quando a comunidade negra e a comunidade branca se encontram empobrecidas, ambas atribuem o problema econômico às suas mazelas, e isso se reflete nas questões raciais”, associa a professora.
“O problema de Trump é que agora que as pessoas saíram de suas casas e se mobilizaram — o que não é fácil — no próximo ano, as mobilizações devem continuar. Afinal, vai ser igualmente difícil fazer com que essas pessoas voltem para casa”, reflete. Com isso, a luta contra o racismo pode estar apenas entrando em um novo e longo capítulo nos Estados Unidos.
Fonte: Último Segundo/Mundo/Ig. São Paulo


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